A recente revisão legislativa, com as diretrizes do Marco Legal das Garantias e a jurisprudência estabelecida pelo STJ, reflete o esforço do legislador em tornar o processo de compra de imóveis mais simples e eficiente.
O Brasil, como uma das maiores democracias diretas do mundo, evidencia como as leis, mesmo após a aprovação e sanção presidencial, ainda enfrentam o teste de aceitação social, resultando em um contínuo desafio entre a legislação formal e sua aplicação prática. Isso originou a expressão popular "essa lei não pegou."
No setor imobiliário, um exemplo relevante é o princípio da concentração dos atos na matrícula do imóvel, introduzido pela Lei Federal n.º 13.097/2015 no artigo 54. Esse princípio estabelece que todos os direitos sobre um imóvel devem ser registrados na sua matrícula. Isso significa que informações cruciais sobre a propriedade e quaisquer ônus associados devem constar na matrícula, proporcionando segurança jurídica aos compradores que podem verificar esses dados antes de concluir a transação.
Na teoria, essa medida oferece uma grande proteção jurídica aos compradores, que, ao consultar a matrícula, podem identificar possíveis gravames e proceder com a compra de forma segura. Contudo, na prática, diferentes interpretações de leis, como o inciso IV do artigo 792 do Código de Processo Civil e o artigo 158 do Código Civil, mantiveram a necessidade de auditorias detalhadas por parte dos compradores. Mesmo com a eliminação da exigência de certidões forenses pela Lei Federal n.º 14.382/2022, a boa-fé dos adquirentes continuou a ser questionada judicialmente.
Percebendo que o princípio não estava sendo plenamente aplicado, o legislador revisitou o tema. A recente aprovação da Lei Federal n.º 14.825/2024, que adiciona o novo inciso V ao artigo 54, representa um avanço significativo. Agora, a ausência de registros de restrições judiciais na matrícula torna a transação imobiliária mais segura e juridicamente eficaz.
Essa mudança visa proteger o comprador de boa-fé, que adquire o imóvel sem conhecimento de possíveis complicações futuras na transação. Além disso, define limites claros para a atuação do Estado em negócios realizados de boa-fé.
Essa alteração está conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, especialmente a Súmula n.º 375, que determina que o reconhecimento de fraude à execução depende do registro da penhora na matrícula ou da prova de má-fé do comprador. O Tema Repetitivo 243 reforça essa ideia, estipulando que, na ausência de registro de penhora, o ônus da prova de que o comprador tinha conhecimento de uma possível insolvência do vendedor recai sobre o credor.
Além disso, essa lei complementa o Marco Legal das Garantias (Lei Federal nº 14.711/2023), que busca aprimorar as regras de garantias no Brasil. O objetivo é garantir que a matrícula do imóvel seja suficiente para que o credor saiba se o bem pode ser usado como garantia.
Segundo dados do Banco Central citados na justificativa do Marco Legal das Garantias, o mercado imobiliário residencial urbano brasileiro tem um valor estimado entre 8 e 10 trilhões de reais. Esse potencial de crescimento depende da agilidade na auditoria e da confiança nas informações registradas na matrícula, facilitando o uso de imóveis como garantia em operações de crédito.
Essa revisão legislativa, em conjunto com as disposições do Marco Legal das Garantias e a posição consolidada do STJ, demonstra o compromisso do legislador em melhorar a transparência e a confiabilidade no mercado imobiliário. A expectativa é que essas mudanças ajudem o princípio da concentração dos atos na matrícula a ser mais amplamente adotado, contribuindo para um ambiente de negócios mais seguro e eficiente.
Apesar desses avanços, a legislação ainda não abordou a dispensa de certidões fiscais, o que obrigaria o Fisco a registrar eventuais restrições na matrícula, assim como o poder público deveria averbar restrições relacionadas a tombamento, desapropriações ou dívidas com a União. Essas medidas fortaleceram ainda mais o princípio da concentração dos atos na matrícula, fechando possíveis brechas.
Embora a legislação ainda tenha lacunas, espera-se que, com essas novas medidas, o princípio da concentração dos atos na matrícula se consolide como uma ferramenta fundamental para a segurança jurídica no mercado imobiliário brasileiro.
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